Déjà-vu

Em 2008 publiquei um artigo nesta Folha (“Mas… é ciência?”, 27/1/08) comentando a declaração da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que havia defendido o criacionismo. Volto com o mesmo objetivo: defender a ciência, agora para comentar recente entrevista da ministra Damares Alves, a qual advogou uma presença maior do criacionismo nas salas de aula como contraponto ao evolucionismo.

O fato de as duas serem representantes de lados ideológicos opostos mostra a abrangência e força do criacionismo na sociedade brasileira. Um outro ponto em comum entre as ministras é que ambas são representantes do movimento evangélico, o que mais cresceu no Brasil nas últimas décadas. Segundo o IBGE, cerca de 19% da população brasileira era evangélica em 2005. Em 2020, esse número estará perto dos 30%.

No mesmo período, a bancada evangélica no Congresso também teve aumento significativo. De acordo com o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), a bancada evangélica aumentou mais de 20% só na última eleição.

Como consequência, vários projetos de lei propondo uma maior inserção do criacionismo no currículo escolar foram propostos nos últimos anos. Resta saber o que um Congresso menos laico fará com esses projetos de lei.

O fortalecimento do criacionismo não é, infelizmente, tendência unicamente brasileira. Como discutido em meu livro, “Beyond reason and borders: the rise of global creacionism” (“Além da razão e das fronteiras: a ascensão do criacionismo global”), a tendência é global. 

Uma faceta comum a todos os países é justamente a tentativa de se legalizar o ensino do criacionismo como alternativa ao evolucionismo.

O cerne do problema é que em muitos países, como por exemplo o Brasil e os Estados Unidos, o ensino do criacionismo é apoiado pela maioria da população.

O que fazer? A solução passa por uma maior conscientização do público leigo sobre a natureza do processo científico. Nesse sentido, um aspecto crucial é quando se inicia o ensino de evolução. Na maioria dos países, as crianças só são expostas à evolução no ensino médio, enquanto uma interpretação religiosa já é dada no ensino fundamental, ou mesmo antes, no contexto familiar.
Leia mais (02/12/2019 – 02h00)