Voltaire de Souza: A fila é outra

Esperança. Paciência. Tentativa.
É a xepa das vacinas.
Os cinquentões, mais uma vez, entram na fila.
Doraly dava um sorriso triste.
-Estou na fila desde os dezoito anos?
Ela se lembrava.
-Foi quando a Serena se casou.
Eram quatro irmãs.
-Eu fui ficando para trás.
Ao longo dos anos, os desapontamentos cresciam.
-Perdi oito anos com o Batista me enrolando.
O noivado não ia para diante.
Doraly tinha sido pioneira nos sites da internet.
-Quanta enganação, meu Deus.
Um rapaz tinha sido simpático.
-Acabei emprestando cinco mil reais para ele.
Era para comprar uma moto.
-Então? Pegou a moto e sumiu pela estrada.
Doraly esperava a vez no posto de saúde.
-Quem sabe se não sobra uma vacinazinha.
Um senhor de cabelo branco pedia informações.
-É aqui que a gente se inscreve?
Doraly teve um susto.
-Batista? É você?
O ex-noivo ficou sem graça.
-Então? sabe como é?
O tapa arremessou para longe os óculos do aposentado.
A enfermeira chamou Doraly.
-E aquele senhor? Não ia se inscrever?
-Não. Entrou pensando que a fila era para dar prova de vida.
Sonhos se aposentam.
Mas o rancor continua na geladeira.
Leia mais (06/11/2021 – 10h00)