Símbolo de Nova York, Elizabeth Diller se diz frustrada com MIS-Rio

Um dos mantras profissionais da arquiteta Elizabeth Diller, 64, segundo ela própria, é criar problemas. Mas não é culpa dela que a obra do Museu da Imagem do Som do Rio de Janeiro, um dos projetos de seu estúdio, esteja empacada desde 2016.
 
“Eu sou muito otimista, mas, olha, já tive tantas previsões, tantas datas na cabeça… Toda vez que fazia uma previsão, puf, dava errado”, afirma, sentada em uma mesa para 20 pessoas na sala de reuniões de seu escritório, o Diller Scofidio + Renfro, com o rio Hudson às costas.
 
Outro projeto do estúdio, o The Shed, começou a ser construído depois do MIS e já está aberto ao público.
 
O galpão multiúso para atividades artísticas foi inaugurado em abril deste ano, no miolo do complexo Hudson Yards, em Nova York. Já o MIS, com obras iniciadas em 2010, deveria estar pronto para a Copa do Mundo, mas não tem previsão de abertura. Ainda faltam instalações e acabamentos, o que equivaleria a 30% do total da obra, e um novo edital foi anunciado pelo governo do Rio em março.
 
De mãos atadas, Diller afirma que agora só vale contar com a sorte. “É um projeto sobre o qual não temos controle. Mesmo assim, é horrível quando vejo uma obra quase completa começar a não se parecer com o que pretendíamos.”
 
Umas das arquitetas mais importantes da atualidade, ela integra a lista de 2018 das cem pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Time. Os projetos de seu estúdio são conhecidos pelo impacto que causam na paisagem das metrópoles em que são inseridos.
 
É assim com o parque High Line, sua criação mais famosa. Antes uma linha férrea decrépita no distrito de Meatpacking, em Nova York, a via elevada, após um projeto de Diller, transformou-se em modelo mundial de integração entre cidade e população
 
A atração, aberta em 2009, é uma das mais visitadas de Manhattan -e também pedra fundamental da explosão de preços no entorno que, ao longo dos anos, inviabilizaria a permanência de parte dos antigos moradores.
 
Agora, ela propõe soluções na moda. Criou um vestido-bolsa de náilon a convite da estilista Miuccia Prada
 
Quis “sair da zona de conforto em prol do design eficiente”, afirma. Espécie de farda urbana multiúso, a peça foi apresentada no desfile de verão 2019, em Milão, no qual foram exibidos também criações de moda das arquitetas Kazuyo Sejima (Japão) e Cini Boeri (Itália).
 
É a ideia de singularidade arquitetônica e funcionalidade movem Diller em sua busca por problemas. Quando começou a projetar a peça de moda para a Prada, sabia que queria brincar com o conceito de acessório que carrega e abraça pessoas, como faz em projetos para cidades. Ela ainda ensina arquitetura na Universidade Princeton.
 
Diller via com ressalvas o náilon preto, uma matéria-prima básica do repertório de Miuccia Prada, mas percebeu nele o caráter de experimentação que persegue. Vários testes depois, Diller chegou à peça de arquitetura: um vestido que, como um origami, se transmuta em uma bolsa compacta. Nas lojas brasileiras, custaria ao menos R$ 40 mil. Não há, no entanto, previsão de lançamento por aqui.
 
A lógica de uma estrutura se apropriar do corpo como um prédio toma conta do espaço público aproxima, segundo ela, o trabalho do arquiteto ao de um designer de moda. 
 
Essa relação já é explorada pela Prada, que tem na lista de colaboradores nomes como Rem Koolhaas e os irmãos Ronan e Erwan Bouroullec. Com Diller, o trabalho se resume a praticidade.
 
“É mais do que vestir. Minha ideia não era criar algo terrivelmente feminino, mas abraçar um conceito de gênero ambíguo. O arquiteto, assim como o estilista, experimenta componentes genéricos para juntá-los e criar algo permanente”, afirma Diller.
 
“Arquitetos podem pensar estruturalmente, em quatro dimensões e trabalhar os conceitos de escala, assim como fazem os estilistas. Mas sempre para além do modismo.”
 
Aí reside a contradição sobre ela e a nova Nova York que ajuda a construir em espaços como o High Line, a expansão do Lincoln Center e na colaboração entre seu estúdio e o Rockwell Group na fundição do The Shed. 
 
Ao mesmo tempo em que cria espaços de convívio, ela demole parte do que era permanente na cidade.
“Não sinto nostalgia da cidade antiga. O que mais faz falta para mim é a Nova York do início dos 1980, quando ela era um centro de criatividade, e não um de consumo, como se tornou hoje”, afirma.
 
Quanto à mudança na paisagem promovida por suas construções, diz que o propósito é “desfamiliarizar” o espaço, tornar incomum a beleza, que “não é a clássica”. “Eu sempre me surpreendo como minha sensibilidade muda com o passar do tempo.”
 
Mas, como preservar a história? “Essa é a parte mais difícil, porque se você preserva tudo, acaba matando a própria cidade, mas se uniformiza, também. Acho que barreiras geopolíticas estão fora de moda, mas devemos balancear o que nos distingue e, ao mesmo tempo, conectar-nos a outras cidades, em trocas de pensamento globais.”
 
Mais importante, porém, seria manter a população integrada. “Nós, arquitetos, no entanto, não controlamos tudo. Ninguém esperava que as coisas saíssem do controle na área do High Line [com aluguéis exorbitantes]. Se eu soubesse o que viraria, teria investido”, brinca Diller, antes de assumir um tom sério.
 
“Quando você pensa num projeto público, sempre há consequências que não podem ser mensuradas. Se fizéssemos tudo de novo, pensaríamos mais em políticas de moradia para as pessoas.”
 
O jornalista viajou a convite da Prada

Leia mais (05/09/2019 – 20h51)