O pacto branco e a maldição da mediocridade
Cada pessoa negra consciente deste país consegue listar inúmeros exemplos de como o Brasil está sequestrado por um grupo de pessoas brancas que se protegem em nome das estratificações postas desde Álvares Cabral.
A reforma da Previdência é mais uma medida que precariza e realimenta a estrutura casa grande-senzala, uma vez que atinge justamente a camada que mais sofre com trabalho extenuante, com a carga tributária sobre consumo que onera desproporcionalmente pessoas pobres e negras, como afirma Silvio Almeida, forçando-as que trabalhem até que morram para que a elite e a pretensa elite possam desfrutar do servilismo “ad eternum”. Uma espécie piorada da Lei do Sexagenários, dos tempos da escravidão, em vias de ser aprovada a toque de caixa para benefício de um grupo social.
Nos anos 1990, em sua tese de doutorado defendida na USP, Maria Aparecida Bento, mais conhecida como Cida Bento, cunhou a expressão “pacto narcísico da branquitude” -um acordo silencioso entre pessoas brancas que se contratam, se premiam, se aplaudem, se protegem. Narciso era um jovem caçador e se achava tão belo que só conseguiu se apaixonar pela própria imagem. A sacada de Cida Bento em trazer Narciso para pensar a branquitude nos oferece um horizonte de possibilidades.
No reflexo narcísico, pessoas brancas vivem num mundo onde sua imagem é representada de forma avassaladora. Na televisão, nos jornais, nas redações, na Oscar Freire, no Leblon, nos círculos de elite das cidades do interior, nas festas coloniais na Bahia, a cor é branca e isso não choca. Aliás, isso sequer é questionado, ao passo que quando uma pessoa negra altiva entra no recinto “que não lhe pertence” passa a ser notada por todos, muitas vezes com exotização, muitas vezes com incômodo. “Uma metáfora interessante, não é? A negritude é sempre vista, mas é ausente. A branquitude nunca se vê, mas está sempre presente”, escreveu Grada Kilomba, pensadora negra portuguesa.
Leia mais (05/02/2019 – 02h00)